Dupla portuguesa está a criar app para identificar percursos seguros para ciclistas

Cycle AI é um projecto do médico Miguel Sampaio Peliteiro e do engenheiro biomédico Luís Rita e recorre a imagens do Google para mapear zonas de risco e delinear rotas cicláveis. A dupla ganhou recentemente a hackathon da Federação Europeia de Ciclistas.

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Nuno Ferreira Santos

Um estudo recente da Federação Europeia de Ciclistas (FEC) apontava Portugal como um dos países europeus com menos condições para pedalar – foi-lhe atribuído o 27.º lugar entre 28 países avaliados como bike-friendly –, com base, entre outros factores, na “elevada sinistralidade” que se verifica “apesar do investimento realizado em prevenção”. Segundo as estatísticas mais recentes, continuam a morrer anualmente cerca de 600 pessoas nas estradas portuguesas. A vida de Miguel Sampaio Peliteiro cruzou-se com estes números em Maio, altura em que foi abalroado por um carro numa ciclovia na Póvoa de Varzim. Depois de três semanas em coma, dois internamentos e um duro processo de reabilitação que se estende até hoje, o médico de 24 anos voltou a andar e a pedalar, aprendeu a escrever com a mão esquerda – a direita ficou incapacitada a nível motor e sensitivo – e fez recentemente o exame de acesso à especialidade. 

No final de Agosto, iniciou um novo tratamento numa câmara hiperbárica e, em Outubro, preparava-se para mais uma sessão no Hospital Pedro Hispano quando deu de caras com uma notícia sobre Luís Rita, engenheiro biomédico de 25 anos distinguido com o prémio Top 25 Talents Under 25 na sequência de dois projectos académicos desenvolvidos no Imperial College de Londres, um deles focado no mapeamento de zonas de risco para ciclistas. Imediatamente soube que tinha encontrado o parceiro com a pedalada certa para criar “um projecto que atentasse simultaneamente na perspectiva social e urbana e pudesse reduzir ao máximo o número de eventos [como este]”, conta Miguel Sampaio Peliteiro ao PÚBLICO.

Depois de uma conversa inicial no Skype, os dois jovens pegaram no trabalho então puramente académico e começaram a desenhar a Cycle AI, aplicação que quer identificar percursos seguros para ciclistas a partir do tratamento de imagens do Google Street View – e que já lhes valeu o primeiro lugar na hackathon inaugural da FEC. O primeiro passo foi reajustar o objectivo do projecto da avaliação de risco para avaliação da percepção de risco. “Não temos evidência clara de que objectos podem aumentar ou diminuir o risco na via pública, mas podemos conseguir dados mais específicos sobre aquilo que as pessoas consideram ser a sua percepção de risco”, explica Luís Rita.

Para construir essa percepção, disponibilizaram no site da Cycle AI um mapa onde qualquer pessoa pode assinalar aquelas que entende serem zonas de risco, nacionais e internacionais. É possível indicar directamente o hotspot em causa ou escrever um endereço e, posteriormente, adicionar uma descrição que justifique a sua classificação. Poderá, ainda, ser carregada opcionalmente uma imagem do local.

A etapa seguinte será dedicada à classificação de algumas imagens, novamente através de crowdsourcing, de acordo com o nível de segurança que os utilizadores vejam nelas, considerando a presença de “carros, camiões, luzes na estrada, semáforos”, entre outros objectos que influenciem a segurança na via. “Ao detectarmos candeeiros nas estradas, inferimos que são zonas de maior segurança para ciclistas por serem bem iluminadas”, exemplifica Luís. O contributo do maior número de pessoas em ambas as fases vai possibilitar a criação de uma base de dados fidedigna, a automatização do processo de classificação de imagens e, então, chegar rapidamente a uma “previsão do nível de segurança percepcionada pelos ciclistas nas imagens”.

O objectivo é passar a informação recolhida a agentes e instituições com responsabilidade e autoridade nos campos da mobilidade e planeamento urbano, no âmbito municipal, nacional ou internacional. “Com este método computacional e analítico, temos a oportunidade de fornecer [a quem de direito] dados que suportem e facilitem decisões”, reconhece Miguel Sampaio Peliteiro. 

A avaliação do resultado de segurança de determinado sítio pode ter várias aplicações para cidadãos e autarquias. Por um lado, pretende-se “sugerir às pessoas os locais a evitar para sua segurança”, o que pode ser feito através de uma aplicação móvel própria ou, eventualmente, de uma associação a aplicações de definição de rotas como o Google Maps. Desse modo, será dada às pessoas “não só a possibilidade de escolher o percurso mais rápido, mas também o mais seguro”. Os municípios poderão vir a utilizar estes dados para “perceberem o que as pessoas pensam relativamente à segurança para ciclistas [nas suas cidades] e criar aí infra-estruturas adequadas ou melhorar as existentes”.

Em 2019, foi apresentada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa, que propõe aumentar em 15 vezes o número de portugueses que utilizam a bicicleta para se deslocarem. Mas, alerta Miguel, “não vale a pena convencer as pessoas a usar a bicicleta se não houver condições”. “Ninguém vai pedalar se não se sentir seguro, assim como ninguém anda em ruas escuras à noite. A segurança é o primeiro passo”, remata. Os primeiros dados recolhidos pela Cycle AI deverão ser apresentados no início de 2021.

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